A relação entre sono e sexualidade

Publicado em 09/10/2020

Por Vitória Régia da Silva

“Ainda que o sono represente um terço das nossas vidas e seja o principal componente para o bem estar, infelizmente é negligenciado pela nossa sociedade”, afirma a pesquisadora

No segundo ano da faculdade de ciências biológicas na Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Botucatu (SP), uma aula mudou a vida da paulista Monica Levy Andersen, hoje professora e vice-chefe do Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Um professor explicou sobre os mistérios do sono e foi nesse momento que ela se apaixonou pelo tema. Logo depois da aula, foi conversar com ele. Desde então, é o tema central na sua carreira científica, que já soma mais de 20 anos.

A relação entre sono e sexualidade é sua principal linha de pesquisa. “É uma área pouco explorada”, sentencia. “Ainda que o sono represente um terço das nossas vidas e seja o principal componente para o bem-estar, infelizmente é negligenciado pela nossa sociedade”, afirma a cientista. Ela reconhece que as consequências da falta de sono são bastante estudadas, mas não na convergência com a área da sexualidade. “Um motivo para isso é ainda haver muito tabu envolvido, e existir receio de falar [sobre sexualidade] mesmo que a impressão que se tem é de que cada vez mais a sociedade venha se abrindo para dialogar sobre isso”, pondera.

Segundo a pesquisadora a falta de sono tem uma interferência total sobre a sexualidade.

“Uma pessoa que dorme bem, tem mais satisfação como um todo, dentre elas o âmbito sexual. No caso de uma pessoa que tem distúrbio de sono, que são as doenças que acontecem durante o sono, ou é privada de sono, ela tem menos a menos satisfação sexual, menor desempenho e motivação sexual”, relata Andersen.

Os efeitos da privação de sono associados ao uso de substâncias ilícitas, como cocaína, têm influência no comportamento sexual, como mostrou a sua pesquisa de doutorado sobre o tema, que revelou que essa associação produziu maior porcentagem de ereção e ejaculação, durante estudos com ratos. Suas pesquisas investigam a influência do uso de drogas no padrão de sono, tanto de animais quanto de voluntários, e a relação entre comportamento sexual e privação de sono. Para Levy, trata-se de assuntos de alta complexidade.

“No caso dos homens, essa relação [do sono e da sexualidade] é muito clara. Homens com apneia obstrutiva do sono tem tanto problemas de ereção (disfunção erétil) como com problemas ejaculatório. Uma vez tratados, por exemplo, há uma reversão dessa disfunção erétil”, destaca. Outros estudos, segundo a pesquisadora, mostram que mulheres que dormem menos de seis horas também relatam menor satisfação sexual. “Seja em homens ou em mulheres, as queixas sexuais podem estar relacionadas com menor tempo de sono ou sono comprometido”

Durante palestra na 71ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) em 2019, a pesquisadora do Instituto do Sono da Unifesp apresentou a pesquisa  “Episono São Paulo”, que revela que uma em cada três pessoas têm apneia obstrutiva do sono, uma condição em que a respiração pára e volta diversas vezes enquanto se está dormindo, na cidade de São Paulo. Essa é a quarta edição da pesquisa que é o maior estudo já feito de levantamento de distúrbio de sono realizado no país.

“Uma pessoa com apneia obstrutiva pode ter mais risco de ter diabetes, problemas cardiovasculares, alterações hormonais, ganho de peso, perda de memória e falta de concentração. e mais dispostas a riscos e acidentes”, esclarece.

Esses distúrbios que podem preexistir em algumas pessoas, ainda podem ser agravados pelo ritmo de vida da sociedade atual, em que as pessoas são pressionadas a funcionar e produzir todo o tempo, segundo a pesquisadora. Ela ainda destaca que a geração Z (composta por pessoas nascidas entre meados dos anos 1990 até o início dos anos 2010) é a mais acometida pela falta de sono. A criação e popularização da internet seria uma das razões para isso.

A sua segunda linha de pesquisa é a relação entre pele e sono. Nesse campo, estuda aspectos relacionados à dermatologia e cosmética, analisando o efeito da falta de sono sobre o maior órgão humano, a pele.

Sua pesquisa e trabalho acadêmico lhe renderam diversas premiações e reconhecimentos. Levy é membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências, onde há 40 pesquisadores de ciências biológicas sendo que 14 são mulheres, e da Sociedade Brasileira do Sono, além de ser diretora de ensino e pesquisa do Instituto do Sono, sediado em São Paulo, referência mundial de pesquisas de sono. Em 2007, foi uma das vencedoras do II Prêmio Para Mulheres na Ciência concedido pela L’oreal, Academia Brasileira de Ciências e UNESCO.

“Reconhecimento é mais do que premiação. O Prêmio Para Mulheres na Ciência é uma das mais importantes, aquela que sempre destaco e que sempre tenho muito orgulho, mais do que pelo prêmio, mas pelo reconhecimento de ser uma cientista mulher brasileira”, revela. “Esse reconhecimento de entidades é a condecoração da vida de um cientista”, diz a pesquisadora.

Docência e debate sobre gênero na ciência

Desde 2015, concomitante ao seu pós-doutorado, Levy ingressou na docência. Na sala de aula ou fora dela, entende a questão de gênero na ciência é fundamental, e que essa discussão precisa ser ampliada no espaço acadêmico. Mesmo não sendo mãe, fundou na Unifesp um grupo de trabalho sobre valorização da maternidade na ciência, que conta com mais duas alunas da pós-graduação, uma advogada e uma ginecologista. Justifica a iniciativa a partir da sua sensível observação da realidade, da vivência junto a colegas de pesquisa e da compreensão de que há um imenso desafio na trajetória das pesquisadoras que precisam conciliar a maternidade e a vida de cientista.

“Esse grupo foi formado porque na carreira científica há uma cobrança muito grande das mulheres, enquanto a maternidade é pouco valorizada”, explica. “A mulher que engravida paga um preço pela sua carreira porque na carreira científica, que depende 100% dela, vai haver uma queda na produção – o que é natural visto que no período de licença-maternidade essa mulher deve se dedicar a ser mãe -, mas existe pouca compreensão, para dizer nenhuma, dessa mulher durante a maternidade”, observa.

Apesar de não ter tido referências femininas marcantes durante a sua formação, e de sempre ter tido orientadores homens, Levy destaca três grandes inspirações de mulheres cientistas que recorda ter acessado depois do doutorado: Helena Nader, biomédica brasileira; Eve Van Cauter, professora e pesquisadora de endocrinologia, diabetes e metabolismo da Universidade de Chicago e Nora Volkow, psiquiatra estadunidense e diretora do Instituto Nacional de Abuso de Drogas. Essas pesquisadoras são mulheres que são referências para sua área de pesquisa e seu trabalho acadêmico e exercem cargos que não são geralmente ocupados por mulheres. A pesquisadora Helena Hader, por exemplo, também está presente no mapeamento de pesquisadoras de destaque da Gênero e Número e foi uma das três mulheres entre 18 presidentes da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SPBC), uma entidade civil voltada para a defesa do avanço científico e tecnológico, e do desenvolvimento educacional e cultural do Brasil.

Monica Levy Andersen

UNIVERSIDADE DE DOUTORADO
Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)
ÁREA DE PESQUISA MAIS RELEVANTE
Farmacologia/Psicobiologia
TÍTULO DA PESQUISA
Endocrinological and catecholaminergic alterations during sleep deprivation and recovery in male rats
ONDE VIVE
São Paulo (SP)
O QUE NÃO PODE FALTAR NA CIÊNCIA BRASILEIRA?
Motivação. “Se não tivermos motivação você não avança na ciência. A motivação faz o progresso da ciência”

Fonte: http://www.openciencia.com.br/portfolio/monica-levy-andersen/

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