Comportamentos alimentares noturnos inadequados: conheça os distúrbios que levam ao comer noturno

Publicado em 18/06/2021

Mulher olhando dentro da geladeira a noite

Comportamentos alimentares noturnos inadequados, caracterizados por episódios de consumo alimentar a partir de despertares ao longo da noite, podem estar presentes em diferentes situações. Algumas condições médicas gerais, como episódios de hipoglicemia do diabetes mellitus, epigastralgia noturna, sensação de fome após dietas restritivas e insônia podem levar à despertares noturnos para comer.

Há dois distúrbios cujas apresentações clínicas são exclusivamente caracterizadas pelo comportamento de comer ao longo do período principal de sono: o distúrbio alimentar associado ao sono e a síndrome do comer noturno.

O que é o distúrbio alimentar relacionado ao sono?

Descrito pela primeira vez em publicação científica em 1991, o distúrbio alimentar relacionado ao sono foi incluído como entidade diagnóstica em 2005 na 2a Classificação Internacional dos Distúrbios de Sono da Academia Americana de Medicina de Sono, com critérios diagnósticos bem estabelecidos.

Relatada como uma síndrome distinta dos distúrbios alimentares diurnos clássicos, é, de fato, um distúrbio de sono com características comportamentais semelhantes ao sonambulismo (conhecida como parassonia do sono NREM). Porém, é caracterizada por despertares noturnos acompanhados de comportamento exclusivamente relacionado à mastigação e à deglutição de substâncias.

Apesar da nomenclatura utilizada, o ato comportamental não se refere à ingestão de alimentos exclusivamente, mas de consumo de formas ou combinações de alimentos peculiares (que não seriam consumidos enquanto acordado) ou substâncias não comestíveis ou tóxicas. Como o despertar é considerado parcial, com a dissociação do estado de consciência, o ato de se levantar da cama e automaticamente levar substâncias à boca, mastigar e deglutir, não é lembrado na manhã seguinte.

Podem ser consumidos alimentos que fazem parte do dia a dia, alimentos congelados, combinações pouco usuais ou bizarras – exemplo: feijão com pão, leite com mostarda – como substâncias não alimentares: flores, gelo, produtos de limpeza, ração de pets, cigarros, pasta de dente ou qualquer outra substância possível de ser mastigada e deglutida. Esses comportamentos trazem consequências adversas à saúde e se tornam perigosos,podendo causar intoxicação, lesões e queimaduras, dependendo da busca de “alimentos” ou da utilização de utensílios e aparelhos de cozinha, como talheres, liquidificador ou mesmo o fogão.

Como identificar e tratar o distúrbio alimentar associado ao sono?

O diagnóstico é essencialmente realizado pela anamnese e entrevista com acompanhantes e familiares, e embora não seja rotineiramente indicado, a polissonografia pode indicar achados complementares para o diagnóstico. O mais comum consiste em múltiplos despertares confusos a partir do sono de ondas lentas, embora possam ocorrer desde diferentes estágios do sono NREM e no sono REM.

Como ocorre no sonambulismo do adulto, apneia do sono e movimentos periódicos dos membros podem ser observados também nesse caso. Considerando a escassez de literatura especializada, não há causas estabelecidas. Da mesma forma, não há ainda diretrizes de tratamento que apontem opções terapêuticas adequadas. É sabido que o uso de alguns hipnóticos pode, em pessoas predispostas, desencadear episódios de comportamentos de mastigar e deglutir tipo sonambulismo. Da mesma forma, é estabelecido que higiene do sono adequada, em especial evitar privação de sono, manter regularidade da hora de adormecer e despertar, além de evitar consumo de álcool e outras substâncias, podem evitar novos episódios de distúrbio alimentar relacionado ao sono.

O que é a síndrome do comer noturno?

A síndrome do comer é um distúrbio de comportamento alimentar descrito pela primeira vez na literatura médica na década de 1950, sendo o principal diagnóstico diferencial do distúrbio alimentar relacionado ao sono e se trata de um transtorno alimentar incluído como uma categoria diagnóstica na quinta versão do manual diagnóstico e estatístico da Associação Americana de Psiquiatria (DSM5).

Por décadas compreendida como uma variante de apresentação de um distúrbio de sono, a síndrome do comer noturno ganhou o reconhecimento como entidade única em 2013. É caracterizada por um aumento da necessidade de consumo alimentar no período da noite, antes mesmo do período principal de sono, e com despertares noturnos para comer.

Esses despertares são caracterizados pela referência de seus portadores de “necessidade urgente” em comer e com persistente dificuldade para reiniciar o sono, caso relute em realizar a ingestão alimentar. O comportamento de comer é caracterizado por plena vigília e lembrança usualmente completa do evento na manhã seguinte.

São, geralmente, realizados pequenos lanches durante a noite com alimentos que fazem parte da rotina do seu portador. Como consequência, não raramente, há ganho de peso e obesidade associados, além de distúrbios gastrointestinais e metabólicos. São relatados potencialmente vários despertares para comer, com médias entre pelo menos 1 até 6 despertares ao longo da noite.

Como identificar e tratar a síndrome do comer noturno?

Não há critérios diagnósticos estabelecidos para a síndrome do comer noturno. O diagnóstico é realizado por meio de anamnese dirigida, utilizando como parâmetro os seguintes critérios:

  • Episódios recorrentes de ingestão noturna, manifestados pela ingestão ao despertar do sono noturno ou pelo consumo excessivo de alimentos depois de uma refeição noturna
  • Há consciência e recordação da ingesta
  • A ingestão noturna não é mais bem explicada por influências externas, como mudanças no ciclo de vigília-sono do indivíduo, ou por normas sociais locais;
  • A ingestão noturna causa sofrimento significativo e/ou prejuízo no funcionamento do corpo
  • O padrão desordenado de ingestão não é mais bem explicado por distúrbio de compulsão alimentar ou transtorno mental, incluindo uso de substâncias, e não é atribuível a outro distúrbio médico ou ao efeito de uma medicação

Métodos complementares objetivos do sono, como polissonografia ou actigrafia, não são indicados para o seu diagnóstico, a menos se houver necessidade de diagnóstico de um suspeito distúrbio primário de sono. Um único estudo publicado em 1999 avaliou população portadora de síndrome do comer noturno, e descreveu a possibilidade de nível sérico noturno reduzido de melatonina e leptina comparado ao grupo controle sem o distúrbio de sono.

As evidências de qualidade sobre possíveis diretrizes para tratamento da síndrome do comer noturno permanecem escassas. Há sugestões de tratamento com antidepressivos inibidores seletivos de recaptura de serotonina, assim como alguns agentes anticonvulsivantes.

Resumo sobre sono e comportamentos alimentares noturnos inadequados

É possível identificar dois distúrbios caracterizados por comportamentos alimentares noturnos inadequados:

  • Distúrbio alimentar associado ao sono: Distúrbio de sono caracterizado por despertares noturnos associados a comportamentos de consumo de substâncias alimentares ou não, com comprometimento do estado de consciência e, portanto, usual ausência de lembrança para o evento na manhã seguinte;
  • Síndrome do comer noturno: Distúrbio alimentar caracterizado pelo aumento do consumo alimentar à noite e também despertares noturnos para comer, em completa vigília e lembrança do evento na manhã seguinte.

Dr. Alexandre de Azevedo
Psiquiatra, com formação complementar em Transtornos Alimentares e em Medicina do Sono pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

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