Cochilar é bom ou ruim? Entenda tudo sobre o cochilo

Publicado em 22/12/2021

Fotos Imagens Fotos Ilustrações Vetores Vídeos Jovem feliz dormindo debaixo do cobertor no sofá

O sono no ser humano é essencialmente noturno e desde sempre, dormimos principalmente à noite. Mesmo assim, todos nós eventualmente cochilamos durante o dia. Em alguns casos, o cochilo pode ser um costume comum, como na Itália, Grécia e Espanha, onde o hábito de cochilar após o almoço (conhecido como sesta ou siesta) é muito disseminado. Mas na maioria dos casos, isso é feito ocasionalmente, como quando cochilamos porque estamos muito cansados.

Mesmo parecendo algo trivial, existe muita discussão científica sobre o hábito de cochilar.Na maioria dos casos, é possível que o cochilo traga benefícios. Porém, em alguns casos, precisamos ter cuidado para que o cochilo não atrapalhe o sono noturno ou não piore casos de insônia.

Neste texto, vamos conversar sobre os cochilos, discutindo sobre quando podem ser apropriados, quando são indispensáveis e quando devem ser evitados.

Quando cochilar é bom?

Durante a infância

Quando nascemos, passamos a maior parte do tempo dormindo. É normal que recém-nascidos durmam cerca de 16 horas, com vários períodos de sono espalhados ao longo do dia e da noite. Isso é chamado de sono polifásico, pois o sono é dividido em várias fases ao longo das 24 horas. Nas primeiras semanas de vida, o sono polifásico é tão importante que é até difícil distinguir o sono diurno do sono noturno, ou de distinguir qual é o sono “principal”.

Esse padrão polifásico dos bebês é o oposto do sono monofásico observado nos adultos, que geralmente ocorre em uma única fase ao longo do dia. A transição entre o sono polifásico e o sono monofásico é lenta, progressiva e gradual, e demora alguns anos até que o sono se concentre unicamente (ou principalmente) à noite.

Entre os três e seis meses de idade já se pode observar essa transição. Nessa época, o período principal de sono do bebê já está bem estabelecido e concentrado à noite, mas ainda podem ocorrer três a quatro cochilos ao longo do dia, geralmente um pela manhã e dois pela tarde. O número de cochilos vai naturalmente reduzindo, até que após um ano de idade começa a se estabelecer um padrão bifásico de sono, com apenas um cochilo a tarde e o período principal de sono concentrado à noite.

O padrão bifásico se mantém por alguns anos, até que a criança perca o hábito de cochilar durante o dia e um padrão monofásico de sono se estabeleça, com o sono inteiramente concentrado em uma única fase à noite. A idade em que isso acontece varia muito, geralmente entre os três e os sete anos de idade.

Os cochilos e o padrão polifásico de sono nos primeiros meses e anos de vida são muito importantes! Quando nascemos, o nosso sistema nervoso não está completamente pronto e formado, e é justamente durante o sono que o cérebro se desenvolve. Portanto, os cochilos são fundamentais para o desenvolvimento cognitivo da criança!

Na terceira idade

Na terceira idade o sono se modifica bastante. É comum que idosos tenham uma diminuição do tempo de sono à noite, fazendo com que haja necessidade de alguns cochilos ao longo do dia. De certa maneira, o sono na terceira idade volta a ser bifásico ou polifásico, como nas crianças. As pesquisas indicam que cerca de 40% dos idosos cochilam regularmente.

Por conta dessas alterações, o cochilo nos idosos é algo normal, que faz parte do processo de envelhecimento.Ele é importante para que o idoso consiga ficar ativo e disposto nos momentos em que está acordado. Porém, caso um idoso se sinta cansado, sonolento e com fadiga, mesmo cochilando mais de uma vez por dia, deve procurar um médico especialista em sono para uma avaliação.

Diariamente

Regularidade é um dos segredos para um sono de boa qualidade. É recomendado que nós durmamos e acordemos sempre nos mesmos horários, pois assim vamos estabelecendo uma rotina de sono regular, evitando a privação de sono. Com essa regularidade, todo nosso corpo e nosso cérebro acabam se acostumando com essa rotina, funcionando como um relógio bem regulado. Mas se dormimos e acordamos em horários diferentes a cada dia, não há como o corpo se acostumar com uma rotina bem estabelecida, e é aí que a insônia e vários outros problemas (como estresse, hipertensão e diabetes) podem começar a aparecer.

Essa ideia de regularidade também vale para os cochilos. Cochilar não é um problema, desde que você faça isso regularmente, idealmente todos os dias, como um hábito. Assim, com o cochilo acontecendo todos os dias, o cérebro aprende a colocá-lo “na conta” do nosso sono e do nosso ciclo circadiano. Em outras palavras, nosso corpo consegue prever o cochilo e o leva em consideração para o planejamento do sono noturno.

É exatamente isso que acontece na sesta (soneca)! Nesses casos, as pessoas tiram um cochilo durante o dia, após o almoço. Como isso ocorre todos os dias, acaba não atrapalhando o sono noturno. Mas devemos lembrar que mesmo dormindo durante o dia, o período principal de sono continua sendo à noite. Então, os cochilos devem ser curtos, geralmente de 20 a 40 minutos.

Eventuais

Pense que você virou a noite em claro para estudar para uma prova, ou para entregar um relatório ao seu chefe na manhã seguinte. Depois do dever cumprido, um cochilo pode ser muito bom, para que você possa seguir o resto do dia.

Se for possível busque um lugar quieto, confortável e seguro, e descanse um pouco. Um cochilo de cerca de 30 minutos vai fazer com que os efeitos da noite em claro sejam menores. Esses cochilos (às vezes chamados de power naps) podem ser feitos ocasionalmente e realmente diminuem os efeitos da privação de sono.

No entanto, se atente a algumas dicas importantes: se você dormir demais, poderá acordar ainda mais cansado do que estava antes. Isso acontecerá principalmente se você acordar em estágios profundos do sono (como o estágio N3). Portanto, mantenha um cochilo mais curto.

Além disso, virar a noite em claro por conta de trabalho ou estudo nunca é apropriado! Isso pode ocorrer excepcionalmente quando for muito necessário, mas não deixe que isso se torne um hábito.

Quando os cochilos são indispensáveis?

Em trabalhadores noturnos

A nossa fisiologia foi feita para estarmos acordados durante o dia e dormirmos à noite. Mesmo assim, existem pessoas que invertem esse ciclo para desempenhar diversas atividades importantes à economia e à sociedade. Estamos falando dos trabalhadores noturnos (ou trabalhadores em turno).

Existem algumas profissões que precisam funcionar por 24 horas por dia, durante sete dias por semana. São os casos dos serviços de segurança (como policiais, bombeiros e vigilantes) e dos profissionais de saúde (como médicos e enfermeiros). Outras profissões funcionam à noite por conveniência, como aquelas relacionadas ao entretenimento (exemplo: bares, restaurantes e festas) ou aos serviços (academias, mercados e farmácias).

Em qualquer caso, as pessoas que trabalham à noite estão sempre fazendo algo oposto ao funcionamento normal do nosso corpo, e acabam estando sujeitos a problemas de saúde por isso. Por mais que essas pessoas tentem se acostumar, nosso corpo nunca se habitua 100% ao trabalho noturno.

Um modo de tentar combater ou diminuir as consequências e problemas do trabalho à noite são os cochilos. Nesses casos, é ideal fazer cochilos programados antes de uma noite de plantão (ou durante, se for possível). Isso pode trazer muitos benefícios, incluindo aumento do rendimento e satisfação com o trabalho, diminuição do cansaço e redução do risco de acidentes.

Se você é um trabalhador noturno, procure um médico do sono. Esse profissional pode ajudá-lo com estratégias para se adequar melhor ao trabalho à noite.

Em situações de risco

Em algumas situações, o sono pode nos colocar em risco. O principal caso é dormir dirigindo, já que dirigir pode ser algo monótono e repetitivo. Nessa situação, para alguém que já está cansado e sonolento, pode ser impossível resistir ao sono. Segundo a Associação Brasileira de Medicina de Tráfego, cerca de 42% dos acidentes automobilísticos são relacionados ao sono.

Algo parecido também pode acontecer com acidentes de trabalho. Acidentes são sempre mais prováveis em pessoas sonolentas e cansadas, tanto para trabalhos manuais e braçais (exemplo: na operação de máquinas pesadas ou na construção civil), quanto em trabalhos intelectuais ou de atenção (como em controladores de voo). Em todas essas condições, trabalhar sentindo-se cansado ou sonolento pode levar à acidentes muito graves. Isso ocorre porque quando estamos com sono, nossa capacidade de atenção e de reação diminui muito.

Uma dica importante é nunca subestimar o sono. Principalmente ao volante, não aposte em coisas como colocar música alta, tomar café, acender a luz interna, lavar o rosto ou abrir as janelas do carro. O efeito de qualquer uma dessas estratégias é muito pequeno, e quanto mais tempo você continuar dirigindo, mais sonolento ficará. Se você está muito sonolento, a principal dica é evitar dirigir; portanto, se for possível adie a viagem. Se não for possível, ou se o sono chegar quando você já estiver dirigindo, o melhor é parar o carro e algum lugar seguro e dormir.

A viagem ficará um pouco mais longa, mas a chance de que você se acidente enquanto dirige será muito menor.

Quando os cochilos devem ser evitados?

A principal situação em que os cochilos devem ser evitados é em casos de insônia. Portanto, se você tiver insônia crônica, evitar cochilar é uma boa estratégia!

Isso pode parecer até um pouco sem-sentido… Se alguém não consegue dormir à noite, por que não aproveitar o dia para dormir um pouco e vencer o cansaço?

Para entendermos os problemas do cochilo para pessoas com insônia precisamos considerar a pressão de sono. Esse é um conceito importante, que se refere à tendência que temos para dormir em um determinado momento. Quanto maior o tempo que passamos acordados, maior é a pressão de sono (ou seja, mais o nosso cérebro precisa que nós durmamos).

Geralmente, a pressão de sono é muito pequena pela manhã (já que passamos a noite dormindo), mas vai se acumulando progressivamente ao longo do dia, até que chega em níveis muito altos à noite, nos fazendo dormir. Em pessoas sem insônia, a pressão de sono alta, associada a um ambiente favorável (escuro, silencioso e confortável) é suficiente para que o sono ocorra naturalmente.

Insônia e pressão do sono

Porém, as pessoas com insônia têm uma certa resistência à pressão de sono. Mesmo que tenham passado o dia acordadas e que estejam com a pressão de sono alta, acabam não conseguindo dormir. Isso acontece principalmente por questões cognitivas e comportamentais, que incluem pensamentos, preocupações, ansiedade, medos, angústias e comportamentos que afastam o sono. Nesses casos, o sono só virá à pessoa com insônia quanto a pressão do sono estiver muito alta, capaz de se sobrepor aos processos cognitivos e comportamentais.

E onde entra o cochilo? Quando dormirmos um pouco ao longo do dia, acabamos dissipando ou diminuindo a pressão de sono que se estava se acumulando. Assim, quando chega o horário que costumamos ou gostaríamos de dormir à noite, a pressão de sono ainda é baixa. É como se o cochilo ao longo do dia “roubasse” a vontade de dormir à noite.

É justamente por isso que alguns tratamentos para a insônia, como a terapia cognitivo comportamental (TCC) orienta a evitar cochilos, garantindo que os horários de dormir e acordar sejam padronizados. Assim, a pessoa com insônia terá uma pressão de sono maior no horário em que for dormir à noite.

Conclusão

Em alguns casos, os cochilos podem ser muito bons! Mas em outros, podem ser ruins e acabar piorando o sono noturno. O importante para saber se cochilar é bom é considerar o contexto.

Tirar um cochilo curto à tarde pode ser muito bom, principalmente se pudermos fazer disso um hábito. Cochilar como estratégia para se adequar a demandas de trabalho também é muito bom, por aumentar a produtividade e prevenir acidentes. Entretanto, em pessoas suscetíveis à insônia, o cochilo pode ser um vilão, “roubando” a vontade de dormir à noite e fazendo com que os problemas relacionados ao sono piorem.

Gostou do artigo? Leia mais sobre distúrbios de sono aqui!


Dr. Gabriel Natan Pires

Biomédico, Mestre e Doutor em Psicobiologia pela UNIFESP. Pesquisador no Instituto do Sono.

Page Reader Press Enter to Read Page Content Out Loud Press Enter to Pause or Restart Reading Page Content Out Loud Press Enter to Stop Reading Page Content Out Loud Screen Reader Support